sábado, 25 de janeiro de 2014

Quando o Circo chega à Aldeia





(foto: andré raposo)

Não é fácil nascer-se benfiquista numa família de sportinguistas. De sportinguistas e até de um tio que adoramos e é tripeiro. Sim, nasci benfiquista, embora nos primeiros anos talvez ainda não soubesse.
O pai não gostava de futebol, muito menos da droga do futebol. Dizia que era do Covilhã, seja lá o que isso for.
De modo que fui benfiquista contra a pressão da família. Imensa. Sobretudo do Avô querido que me queria deles e que, mais tarde, ouvia culpar o outro tio (que era Padrinho e tinha responsabilidades) por não me ter falado dos Stromps, dos Violinos e do Manel Fernandes e, como dizia, por ter "aprendido o que não devia com os miúdos da rua".
Mas fui benfiquista contra a influência da família. Acho que o percebi quando o Benfica vinha ao Estádio do Restelo para jogar com o Belenenses.
Não foi por causa daquelas camisolas lindas lindas lindas. Nem até pelos golos do Carlos Manuel, pela raça do Bento ou pelas fintas do Chalana.
Percebi que era do Benfica quando o bairro onde cresci se avermelhava. O Benfica no Belenenses. Em dia de jogo, o Restelo mudava de cara. Ficava outro, intransitável. Travestia-se. O sossego aborrecido virava excitação. A calma chata e pachorrenta mostrava os dentes e ficava doida. Selvagem. De repente, os passeios eram dos carros, as ruas enchiam de gente. De cachecol e bandeiras vermelhas. Apareciam roulotes a vender bifanas e cerveja. Havia fumo, barulho, cânticos e chegavam pessoas que eu não conhecia e eram diferentes. Parecia um circo ! Em dia de jogo, debruçado sobre o Tejo, ia para a janela ouvir o bruáaaa do público e os gritos loucos de "GOOOOLLLLLOOOOOOO !" que é do Benfica.
Uma vez por ano, o Bairro impressionava. Ainda hoje, quando descia a Ilha da Madeira e maravilha «(...) o amor da minha vida».

E, por isso, com cinco ou seis anos, ao vir da missa ou dos pastéis de Belém, pedi ao pai uma bandeirinha vermelha e branca com o símbolo da águia no centro e Et Pluribus Unum. Para inaugurar a dinastia na família, que hoje já recebe o meu orgulho.

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