terça-feira, 22 de abril de 2014

O Sector 25




Sócios há anos e repetentes de tantas incansáveis bilheteiras, com passaporte de final europeia e recordes de júbilo e sofrimento, mas cativos, com bilhete de época, só no ano maior da penitência.
Depois da crueldade inaudita do ano passado, da dor imensa que é ficar órfão de todos os astros, planetas e corpos celestes, de querer deixar o futebol e morrer, só podíamos entregar o coração a juras imorredouras de renovada fidelidade.
Escolhemos os lugares onde tínhamos recebido os 3-1 ao Fenerbahce e onde não segurei as lágrimas porque era final em Amesterdão. Em questões do coração, é fundamental não contrariar os deuses. 
Mas no ano grande da dificuldade, aquela equipa de politraumatizados só parecia tornar tudo ainda mais penoso. A bola não tinha dono e fervia nas biqueiras. No banco, um treinador de ombros caídos antes sequer do jogo começar.
Uma derrota na primeira jornada e dois golos depois dos 90 na segunda, eram a equação perfeita para o desastre. Os empates em casa com Arouca e Belenenses, equipas lá do fundo, davam razão ao desespero. No olho do furacão, não faltaram os assobios que nem os cânticos dos No Name conseguiam já calar. E mesmo estes, noutro jogo, até só abriram as goelas aos 78 minutos !
Nessa altura, como forma de esconjurar o horrível bruxedo que nos roía as entranhas, já só pedia que o treinador ampliasse bem a fotografia do minuto 90 + 2, ajoelhado naquele campo infinitamente triste, e a colocasse no balneário ao lado da folha de jogo. Para memória futura.
As pernas não corriam, as jogadas não saíam, a magia não sonhava e tudo virado para o horror do cronómetro.
Ao meu lado, a D.ª Celeste beijava a cruz que traz ao peito e benzia-se a cada jogo. Nunca lhe neguei as mãos. Do outro lado, o velho mítico, de gorro na cabeça e fones nos ouvidos, tremia sempre que um de nós demorava um pouco mais a chegar ao lugar, só de pensar que esse podia faltar e isso ia dar azar. Não longe, o velho amigo de tantas batalhas, que ainda leva o mesmo cachecol e com quem trocamos impressões ao intervalo, amaldiçoava a nossa cruz, mas que como Cristo tínhamos que saber carregar.
Acho que percebi que as coisas iam mesmo mudar, quando perdemos o Pantera Negra para os céus. É verdade que já tínhamos tido o 4-3 ao Sporting, mas esses são jogos diferentes e era para a Taça.
Logo no primeiro jogo sem o Rei nas bancadas, ele veio velar por nós no relvado. Fumos negros nas mangas, as camisolas de todos SÓ com um nome escrito e 2-0 contra o Porto. Acho que foi aí. Quando Rodrigo flechou o dragão.
Foi o ponto de não retorno. O momento da compreensão. Das pazes com o destino.
E, depois, ó fatalidade !, o Sr. Coluna. 
No ano do luto, este só podia ser vermelho. E foi.
Faltava arrombar armários e gavetas e cortar a cabeça de todos os fantasmas e demónios. Mas sempre com doçura extra nos pés de Nico e Marko.
No final, enfiar o punho bem dentro da ferida aberta do inimigo e rodá-lo todo. Fazer lá dentro um churrasco e rodar um pouco mais. Como mostrou ao mundo o Andrézinho Gomes.
Um título incandescente que demorou 3 anos a fazer.
No piso zero, sector 25, atrás da baliza do topo Norte, com direito a fotografia na pág. 4 do 'Record'.

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